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DS Entrevista: Ronaldo de Oliveira e Silva, coordenador de TI e Telecom da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo

Por Gustavo Zuccherato

Conversamos com o profissional responsável pela reformulação que trouxe eficiência e escalabilidade para acesso ao maior Big Data de segurança da América Latina

Uma grande base de dados compartilhada entre todos os órgãos de segurança, o Detecta nasceu em 2014 e já passou por diversas reformulações até agora. Em 2017, o projeto e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo ganharam um reforço de peso, o coronel Ronaldo de Oliveira e Silva, que traz um amplo histórico de atuação, coordenação e chefia de equipes de desenvolvimento de softwares e projetos de tecnologia na Polícia Militar, na Motorola Solutions e na Secretaria de Agricultura do Estado.

Mestre em ciências policiais e pós-graduado em administração com foco em análise de sistema, o coronel de reserva da PM atualmente ocupa o cargo de Coordenador de Tecnologia da Informação e Telecomunicações da SSP. A Digital Security foi até a secretaria estadual no começo de março para conversar com Ronaldo sobre o Detecta e a tecnologia aliada da segurança pública.

Confira esse entrevista em vídeo

Digital Security: Em maio de 2017, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) divulgou um relatório que apontou diversos problemas e erros no Detecta, como lentidão e travamentos, mas principalmente a indisponibilidade de vídeo analíticos. Quais ações foram tomadas para superar esses pontos levantados pelo TCE?

Ronaldo de Oliveira e Silva: Até então tínhamos uma ferramenta baseada em uma arquitetura cliente-servidor, que era a principal causadora dos grandes problemas de travamento, de congelamento de tela e de acesso, porque ela tinha que ser distribuída com links de comunicação para todas as corporações conectadas à plataforma.

A partir disso, optou-se por desenvolver uma nova versão web, mantendo o motor principal da ferramenta que faz a correlação dos eventos. Assim, conseguimos ter mais facilidade na distribuição do Detecta, com interface moderna e fácil de ser utilizada. Essa mudança, por si só, acabou resolvendo todos esses grandes problemas mencionados por essas auditorias feitas pelo Tribunal de Contas.

Neste relatório, o Tribunal bateu muito em cima da falta de vídeo analítico, até com razão. Na época do lançamento da plataforma, esse recurso foi muito noticiado e se deu muita ênfase nisso, mas a análise de vídeo é apenas uma das funcionalidades dentro do sistema e não a principal.

Dentro de um contexto de segurança em ambientes públicos é muito difícil você ter um sistema de análise de vídeo totalmente eficiente.

Até por razões financeiras, optou-se por utilizar o sistema de vídeo monitoramento já existente da Polícia Militar e construir a análise de vídeo do Detecta baseada nelas. Porém, essa infraestrutura da PM é composta por câmeras já mais antigas, que não tem toda a tecnologia de processamento embarcado que encontramos atualmente.

Outro fator importante é que colocar uma câmera em ambiente público é diferente do monitoramento em uma empresa, onde você pode posicionar uma câmera fixa visualizando um portão ou muro e fazer o analítico para identificar alguém atravessando aquela barreira física. Quase todas as câmeras da Polícia Militar são de movimentação PTZ, até para facilitar para o operador do sistema no COPOM poder visualizar todo o ambiente.

Foram essas dificuldades que acarretaram na deficiência do sistema na parte de vídeo analítico. No relatório do TCE, diz que os videoanalíticos não foram implantados. Na verdade, a Microsoft desenvolveu as rotinas que nós solicitamos, porém elas não são utilizados nos trabalhos usuais.

Hoje, estamos com uma ferramenta totalmente estável, com uma quantidade de usuários muito superior ao que estava na época do relatório. Os agentes começaram a confiar mais na ferramenta porque ela parou de travar, de forma que quando ele pede uma requisição, o sistema traz a informação de maneira rápida e fácil, o que veio a corroborar e fomentar a ampliação do uso do Detecta.

Digital Security: Como o Detecta está sendo utilizado atualmente?

Ronaldo: Ele é utilizado por toda a corporação policial, seja civil, militar ou técnico-cientifica, e também por entes conveniados.

Hoje temos por volta de 33 prefeituras que têm o convênio com a Secretaria de Segurança Pública. Nem todas elas têm acesso ainda à plataforma pela falta de link intragov para poder acessar a ferramenta já que ela está instalada em um ambiente governo.

As prefeituras conveniadas estão se adequando aos poucos, mas quem já tem link intragov para outras aplicações, já consegue ter acesso às telas do Detecta e também são usuários do sistema. É claro que há um perfil adequado para a utilização dos órgãos que não são policiais.

Fizemos um levantamento do dia 29 de janeiro até o dia 2 de fevereiro e estamos com uma média de 1737 usuários/dia, e já alcançamos médias de 1900 usuários/dia. Atualmente, temos 8235 usuários cadastrados no sistema, sendo 5 mil deles ativos, porém nem todos eles utilizam todos os dias, porque há períodos de férias, por exemplo.

Conseguimos resgatar a credibilidade da ferramenta com essa nova versão web e, com o tempo, cada vez mais esse número de usuários irá crescer.

Digital Security: Só para esclarecer alguns conceitos, como é estabelecido o link Intragov?

Ronaldo: O link intragov é instalado dentro das repartições públicas, para permitir a comunicação e acesso aos sistemas do Estado.

Existe um contrato feito pelo governo do Estado, que é gerido pela própria Prodesp, e esse contrato é que chamamos de contrato guarda-chuva. Foi feita uma licitação pública para prestar esse serviço e a empresa Vivo foi a ganhadora. Ela fornece os links de comunicação de dados, de uma rede MPLS, para todos os órgãos do estado e com a possibilidade também dos órgãos municipais aderirem a essa tecnologia. Até porque muitos órgãos municipais acabam utilizando da tecnologia e dos sistemas do governo do estado, e precisam utilizar o link intragov para isso.

Há um órgão gerenciador da Prodesp que faz todo o estudo e dimensiona este link de acordo com a necessidade do município para que possam contratar o link seguindo a tabela de preços estabelecida pela operadora Vivo.

Como é um processo feito já há muitos anos, o contrato intragov já é muito sedimentado dentro do governo do estado. Dificilmente hoje você vai encontrar algum órgão publico estadual que não tenha Intragov porque ele é primordial para que se tenha acesso às aplicações dentro do próprio governo.

Digital Security: Quais são os recursos que o Detecta oferece aos policiais e órgãos de segurança?

Ronaldo: O Detecta é uma ferramenta de consciência situacional. Seu principal recurso é o de investigação. É como se fosse uma ferramenta do Google, fazendo um comparativo. Temos a possibilidade de, através de uma tela de entrada de dados, digitar o tipo de situação que se deseja correlacionar eventos e o motor da ferramenta faz essa tarefa dentro das bases de dados do Detecta.

Essa pesquisa é possível graças ao mecanismo open-source, chamado ElasticSearch. O sistema pega todos os as bases de dados que fazem parte do Detecta, extrai as informações e faz a correlação dos eventos.

As prefeituras são os grandes fornecedores de informação para o Detecta atualmente, através dos leitores automáticos de placas dos veículos que trafegam nos seus limites.

Trata-se realmente de um Big Data. Temos ali o banco de dados da polícia civil, com registros criminais; a Secretaria de Administração Penitenciária, com dados de presos, e o FotoCrim da Polícia Militar, com fotos desses criminosos; registros de ocorrências e chamados 190; o Detran, com situações de veículos e cadastros de CNH, entre outros.

Além disso, é possível acessar as imagens de câmeras de videomonitoramento da Polícia Militar e de municípios que também forneceram o acesso às suas imagens. Temos como a maior fornecedora de imagens para o Detecta a Prefeitura de São Paulo com projeto City Câmeras.

Apesar disso, o Detecta não é uma ferramenta VMS: ninguém vai ficar abrindo a plataforma em um telão para ficar olhando as imagens o tempo todo. A ferramenta tem como objetivo ajudar a entender as situações que estão ocorrendo ou que já ocorreram, ou seja, se fiquei sabendo de um evento um determinado local e tiver uma câmera localizada ali, poderei acessar aquela imagem ou imagens gravadas para a elucidação de um crime, por exemplo.

Digital Security: O Detecta me parece muito mais uma ferramenta de segurança responsiva a ocorrência que já aconteceram do que uma ferramenta de segurança preventiva. Existe uma forma de utilizar o Detecta para a segurança preventiva?

Ronaldo: Na verdade, ela atua nas duas áreas. Realmente, o motor principal do Detecta é muito voltado e dá muito potencial para as atividades investigativas. No entanto, há uma área dentro da plataforma que chamamos de “tempo Real”. É um mapa onde ficam pulando informações das passagens de veículos que tenham algum tipo de problema, além dos chamados 190 registrados, a posição das viaturas com GPS, e por onde o usuário pode clicar nas câmeras para visualizar as imagens.

De fato, você vê algo que já aconteceu, no caso de um veículo já ter uma queixa de roubo ou de furto, por exemplo, mas pode ser um veículo envolvido em um crime. Vou exemplificar: em municípios mais pacatos do interior onde o policiamento é menor, nós temos hoje muitos assaltos em caixas eletrônicos e a bancos. Suponhamos que o município esteja dentro do Detecta e receba informações das suas câmeras de leitura de placa. Em determinado momento, ela começa a ver dois ou três carros seguidos com queixa de roubo ou de furto. Isso já começa a indicar para a polícia, efetivamente, que pode estar chegando uma quadrilha para fazer o roubo. A partir daí, as forças de segurança passam a ter uma visão preventiva e podem planejar ações.

Além disso, todas as viaturas em um raio de 4 km que tem um tablet recebem os alertas que vão pro Detecta simultaneamente. O policial que está sem nenhuma ocorrência, aguardando algum tipo de atividade, e recebe essa notificação, pode atuar imediatamente.

Esse é o grande objetivo do Detecta, também atuar na prevenção. Ela não é uma ferramenta de estatística. Embora ela tenha alguns recursos, é uma parte muito pequena da plataforma. Para estatísticas temos outra ferramenta, desenvolvida por minha equipe, que chamamos de InfoCrim. Com ele, os órgãos policiais e as prefeituras podem estudar os dados para planejar suas ações, tanto de cunho social quanto de cunho policial.

O Detecta é uma ferramenta de consciência situacional. Temos a possibilidade de, através de uma tela de entrada de dados, digitar algum tipo de situação e assim, correlacionar eventos nas bases de dados da plataforma

Digital Security: Como foi o processo de definição da ferramenta que faz toda a orquestração do Big Data que é o Detecta?

Ronaldo: Eu não participei diretamente deste processo. Estou aqui há um ano e já peguei o Detecta em uma fase mais avançada. O que sei efetivamente é que foi formado um grupo de trabalho, composto de corpo técnico da Polícia Militar, da Polícia Civil, Prodesp e da Secretaria de Governo, que fizeram um estudo, viajaram para o exterior e foram conhecer as soluções existentes e acabaram por definir pela ferramenta DAS que era inicialmente da Microsoft.

Ela foi implantada na Polícia de Nova York e do jeito que estava lá, com uma interface cliente-servidor, ela foi implantada aqui em São Paulo. O uso da polícia de Nova York era em um ambiente mais restrito e único, provavelmente no Real Time Crime Center, o centro onde eles fazem todo processo de visualização das imagens e investigação. Mas aqui, optamos por disseminar e instalar esse sistema no estado todo. Eu acredito que isso tenha sido o principal problema que causou lentidão no acesso sistema, travamentos e outras dificuldades.

A ferramenta foi adquirida pela Prodesp e com isso ela redesenvolveu a ferramenta numa outra interface, mantendo todo seu núcleo com tecnologia Microsoft e a ferramenta de buscas open-source ElasticSearch.

Digital Security: O que essa transição de uma arquitetura cliente-servidor para uma arquitetura web mudou na infraestrutura do Detecta?

Ronaldo: Quando você mantém uma infraestrutura de cliente-servidor, é preciso que o lado do servidor e principalmente a parte de comunicação de dados seja muita parruda.

Nesta arquitetura, toda transação é feita por um “client” que tem que ser instalado em uma máquina, e essa instalação exige um técnico, porque o usuário normalmente não tem o conhecimento para isso. Além de que todo o tráfego é feito via rede, o que sobrecarrega o link de comunicação, a estação de trabalho e também a parte do servidor, porque pode haver muitos acessos simultâneos.

Com a migração para ambiente Web, toda a infraestrutura foi alterada. A parte do servidor precisa ficar mais parruda e melhor dimensionada, mas a parte cliente não.

Além disso, toda a transação web é feita pelo princípio do melhor esforço, ou seja, você faz uma requisição e o sistema aguarda a possibilidade de chegar no servidor para retornar o resultado. No cliente-servidor, uma vez que a conexão está feita, ela fica ativa e, enquanto não oferece a resposta, o sistema fica requisitando e gerando tráfego na rede o tempo todo, sobrecarregando demais a infraestrutura.

Todo esse “redensenvolvimento” para uma interface web visou facilitar a divulgação e distribuição da ferramenta, de forma que, hoje, o usuário digita um endereço em um browser web e não precisa instalar mais nada na máquina.

Digital Security: Qual a infraestrutura em nuvem para o processamento de dados do Detecta?

Ronaldo: Hoje nós temos uma capacidade de 135 servidores virtualizados, tanto para ambiente de produção, quanto de homologação e desenvolvimento, e as bases de dados Microsoft SQL Server, combinados ao ElasticSearch. Em nosso contrato, temos uma previsão de 200 TB disponíveis de armazenamento, porém usamos em torno de 150 TB atualmente.

É importante ressaltar que nem as imagens de videomonitoramento, nem as de leitura de placa ficam armazenadas no sistema. No caso dos leitores de placa, que é a maior quantidade de informações que nós temos hoje nas bases de dados, os sistemas das prefeituras fazem a conversão para formato texto ou XML, dependendo do fornecedor, e manda apenas a informação de qual é a placa, data, hora e local por onde ela passou.

É uma quantidade muito grande de informação, mas que acaba não ocupando um espaço muito grande em disco.

Não conheço uma solução estritamente nacional que seja adequada para uso policial.  A análise de vídeo é apenas uma parte do sistema, não o principal.

Digital Security: Com a existência de algumas empresas brasileiras desenvolvedoras de softwares de monitoramento, inclusive com analíticos embarcados, por que buscar uma solução em empresas internacionais, como a Microsoft?

Ronaldo: Estou há aproximadamente um ano na SSP e não participei do processo inicial de definição da plataforma. De qualquer forma, isso tudo deve ter sido estudado inicialmente por um grupo de trabalho formado por equipes técnicas e operacionais das forças policiais e optou-se pela plataforma DAS da Microsoft, implantado no Real Time Crime Center da polícia de Nova York. Porém, da mesma forma que a plataforma foi instalada lá em um ambiente mais restrito e controlado, ela foi trazida para cá com o objetivo de disseminar por todo o estado, o que gerou todas as dificuldades.

A ferramenta foi adquirida pela Prodesp e, por isso, ocorreu seu redesenvolvimento nesta outra interface Web, mantendo o núcleo baseado na tecnologia Microsoft e ElasticSearch.

Porém, até hoje, eu não conheço uma solução estritamente nacional que seja adequada para o uso policial. Como disse, a parte de análise de vídeo é apenas uma parte do sistema, não o principal. Nós fizemos uma Prova de Conceito, com a participação de várias empresas, tanto nacionais quanto internacionais, e nenhuma delas conseguiu atender a 100% dos nossos requisitos nesta POC.

No mercado privado, existem diversas empresas de monitoramento, porém eles visam muito o público privado. O monitoramento de um muro ou de uma área restrita gera analíticos se alguém ultrapassar aquela área ou deixar um pacote, por exemplo. Isso é muito simples de achar no mercado. Porém não é isso que a gente precisa dentro do Detecta. Precisamos realmente identificar comportamentos específicos e que estejam em ambiente público. Isso é muito difícil de acontecer.

Digital Security: Por outro lado, como a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo tem colaborado com outros estados para levar a ferramentas como o Detecta para todo o Brasil?

Ronaldo: No final do ano passado, o nosso governador esteve em uma reunião com outros governadores e ele disponibilizou o uso da ferramenta Detecta para qualquer estado que queira, sem nenhum custo de licenciamento da ferramenta.

É lógico que o Estado vai ter que arcar com sua própria infraestrutura, mas o uso da ferramenta estaria disponibilizado para esse Estado. Já tivemos a visita de quatro ou cinco unidades da federação para conhecer o Detecta mas, de maneira mais efetiva, estamos trabalhando em um projeto-piloto com o estado de Sergipe. Os outros estados vieram, conheceram mas ainda não deram o segundo passo com o projeto-piloto e posterior assinatura de um convênio ou termo de cooperação.

Digital Security: Como é o processo para as empresas colaborarem com o Detecta?

Ronaldo: Tudo começa através de um convênio ou termo de cooperação. Dependendo do tipo de cooperação é feito um tipo de convênio ou termo de cooperação.

Hoje a cooperação é algo que já estamos fazendo muito com as prefeituras e algumas outras associações, como as concessionárias das rodovias, por exemplo. Hoje todos os pedágios já mandam informações para o Detecta através da sua via automatizada. Neste caso, o sistema não é um leitor de placa, mas o tag RFID serve como fornecedora da informação de que o carro está passando ali.

As informações que chegam hoje ao Detecta não são somente de leitores de placas, podem ser de qualquer outro sensor que consiga coletar e enviar a informação ao sistema. Tudo é possível.

Digital Security: Esses convênios são avaliados de caso a caso dependendo do interesse da Secretaria de Segurança Pública e da empresa ou outro órgão que vá colaborar?

Ronaldo: Exatamente. No caso das prefeituras, já existe um termo-referencial, com a aprovação já pela nossa conta jurídica, de forma que é muito mais simples e rápido realizar esse convênio. Basta que a prefeitura faça o pedido para a Secretaria de Segurança Pública do Estado, que ele chega à Assessoria Técnica Policial (ATP), nosso órgão que cuida especificamente que de convênios. Eles, então, enviam para nós imediatamente para fazemos uma reunião técnica com a prefeitura. Na reunião, mostramos o que é o Detecta, a contrapartida, o que eles vão receber de informação efetivamente, e avaliamos o que eles já têm de equipamentos. Se a prefeitura não tem nada em equipamentos mas querem fazer o convênio também é permitido. Com todo esse processo feito, nós documentamos e devolvemos para a ATP e o órgão segue com a parte formal relacionada à documentação do município. Superados todos esses processos, já existe uma minuta padrão de convênio que é enviada para o prefeito e para o secretário, assinados e aprovados.

Recentemente, tivemos o primeiro caso de uma associação civil colaborando com o Detecta com a Associação Amigos Alto de Pinheiros – SAAP. Eles já contrataram o sistema e estão enviando informações de leitores de placas para nós. A diferença para um convênio com município é que eles não tem contrapartida e não recebem nada de informação, uma vez que não são um órgão público e nem de interesse policial. Na verdade, eles estão mais agindo como um facilitador, alguém que está colaborando com a segurança pública

Digital Security: Tem crescido o interesse da sociedade em colaborar com a segurança pública, especialmente com os projetos City Câmera e Vizinhança Solidária. Como esse cenário pode auxiliar no Detecta?

Ronaldo: É exatamente o mesmo processo. No caso de associações é um termo de cooperação. Temos solicitações de várias associações, muitas delas pedem para se instalar câmeras já pertencentes ao Detecta, mas nós não temos como instalá-las. O que fazemos é uma atividade colaborativa: quem está querendo ajudar a segurança pública é quem vai fornecer os equipamentos e os acessos.

A gente tem muito cuidado com isso porque normalmente quando essas associações chegam aqui, eles esperam que a Polícia esteja 24 horas monitorando a porta das suas casas a partir do momento em que haja a integração do vídeo. Na verdade, não é esse o objetivo. O Detecta não é uma ferramenta para ficar monitorando esse tipo de situação, e sim uma ferramenta de Análise Situacional para entender a situação caso haja algum evento associado a ela e aí nós vamos utilizar dessas imagens de câmeras de monitoramento ou de informações de leitores de placa para auxiliar em um ato de investigação ou para uma operação da polícia militar. Mas as pessoas chegam aqui com essa visão.  Assim, procuramos mostrar exatamente o que é o sistema.

Outro fator é que elas têm que comprar e manter os equipamentos em funcionamento e, como um dos pré-requisitos para se fazer o convênio é que as associações não tenham fins lucrativos, elas normalmente não tem muitos recursos, dependendo realmente dos seus Associados para poder comprar as câmeras e fazer integração. Isso não é uma coisa barata simples. Muitas delas acabam desistindo por conta disso, porque vêem que não é o que eles estavam esperando.

É por isso que eu não vejo que vai haver um “boom” de colaborações por conta dessas dificuldades que acabam acontecendo

Digital Security: Quais são as exigências técnicas mínimas para se integrar um dispositivo de segurança no Detecta?

Ronaldo: O primeiro passo para qualquer tipo de integração é o convênio ou termo de cooperação. Tecnicamente falando nós precisamos que tenham um sistema que garantam certos fatores, não importando a marca ou fabricante.

No caso de leitura de placa, é preciso ter confiabilidade da informação, então é importante que eles tenham certificação do Inmetro. Normalmente são equipamentos que já tem essa certificação porque são usados hoje nos municípios para fazer radar, principalmente. No caso da cidade de São Paulo, além do radar de velocidade, esses equipamentos também fazem o acompanhamento de rodízio veicular.

Assim, o sistema precisa ser capaz de captar a informação, transformá-lo em um formato texto ou XML, e transmitir isso em tempo real para a Polícia Militar

No caso das câmeras de vídeomonitoramento,  quanto melhor a qualidade da imagem muito mais efetivo se torna o uso dela. Neste caso, orientamos sempre que tenham uma qualidade mínima de HD, para que seja possível reconhecer uma pessoa ou uma placa de veículo. O que vemos, muitas vezes, é que se colocam câmeras de baixíssima qualidade só para dizer que tem a câmera mas, na prática, não conseguimos aproveitar muito aquelas imagens.

Apesar disso, não há nenhum tipo de restrição para fazer parte do Detecta do ponto de vista técnico. Qualquer prefeitura pode fazer parte, mesmo não tendo o equipamento naquele momento.

A Polícia Militar fez uma estatística do uso da plataforma e divulgaram que, desde sua implantação, já foram 4.604 veículos interceptados, 6.368 pessoas presas ou encontradas e 447 armas ou simulacros apreendidos

Digital Security: O Detecta é baseado em uma infraestrutura de comunicação IP e estão surgindo novas tecnologias de comunicação, como o LTE para segurança pública, por exemplo. Quais as vantagens que o LTE pode trazer para uma ferramenta como o Detecta?

Ronaldo:  Com certeza, o LTE pode trazer uma infinidade de melhorias principalmente ao acesso ao sistema. O LTE é uma rede de comunicação de alta velocidade. As viaturas hoje da PM que tem o tablet se comunicam utilizando a rede 3G de uma operadora. Se tivessemos uma rede LTE, seria possível ter desenvolvido uma ferramenta com maior possibilidade de enviar mais informação para o policial. Isso é primordial.

Falando um pouco em LTE, quando eu estava na ativa trabalhando no Centro de Telecomunicações da PM, eu trabalhei muito para conseguir uma faixa de LTE para as polícias. Eu trabalhei inclusive com o General Santos Guerra, que era na época o chefe do centro de guerra eletrônica do exército, e acabamos conseguindo uma faixa de LTE exclusivamente para segurança pública. Foi uma vitória, porém a faixa é pequena, de apenas 10 megahertz. O ideal é que fosse, pelo menos, 20 megahertz, aos moldes do sistema americano. Temos a faixa mas, na prática, não estamos utilizando porque preciso de equipamentos para isso.

Apesar disso, o LTE traria uma agilização e poderiamos desenvolver um sistema com muito mais envio de informações para o policial, inclusive mandando imagens das câmeras. Fizemos uma prova de conceito na época na região de Santo André, usando LTE, e realmente funciona muito bem.

Acredito que ainda a gente consiga chegar a esse ponto, mas pode ser que leve um tempo ainda por falta de recursos.

Digital Security: Quais resultados o Detecta trouxe efetivamente na melhoria do tempo de respostas de ocorrências e de resolução de crimes?

Ronaldo: A Polícia Militar fez uma estatística do uso da plataforma e divulgaram que, desde sua implantação, já foram 4.604 veículos interceptados, 6.368 pessoas presas ou encontradas e 447 armas ou simulacros apreendidos.

Pelo uso da leitura automática de placas é possível que as viaturas em um raio de até 4 km de distância sejam notificadas automaticamente quando um veículo roubado ou furtado passa pelo leitor, o que permite tomar ações imediatas para inibir possíveis crimes.

No caso da Polícia Civil, por se tratar de  uma ferramenta de busca investigativa, hoje, com certeza, a maioria das investigações de crimes está usando a ferramenta, mas é difícil ter uma estatística em relação à isso.

De qualquer forma, posso citar um caso interessante que foi muito noticiado pela mídia: o roubo do helicóptero no Campo de Marte no final de 2015. O homem que realizou o roubo, chegou ao local com uma van furtada. A partir da informação da placa da van, analisaram o trajeto feito por ela e chegaram à uma região da cidade. Assim, identificaram os pilotos que moravam naquela região e conseguiram chegar ao ladrão, que confessou o crime e foi preso

O Detecta é uma ferramenta importantissima para os atos investigativos e para ações imediatas da Policia Militar.

Digital Security: Como está a sua equipe de trabalho aqui na SSP e no que vocês tem trabalhado?

Ronaldo: Temos um grupo de tecnologia da informação na secretaria, do qual eu sou o coordenador, junto à mais um investigador de polícia, também da área de TI. Para que tudo o que eu preciso ande, tenho um contrato de apoio, renovado no final do ano passado, com a Capgemini, uma empresa que me fornece os serviços necessários tanto para área de desenvolvimento e manutenção de software, novos projetos e a parte de infraestrutura.

Hoje tenho uma sala-cofre com um datacenter para toda a parte interna da operação da Secretaria e um contrato com a Prodesp, que fornece servidores para hospedagem dos serviços prestados para o ambiente internet.

Em relação aos serviços que eu presto, tenho como desenvolvimento local o InfoCrim, com toda a parte de estatística do Estado levantado pela Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP); a Delegacia Eletrônica, para atender o registro de crimes de menor potencialidade, como furto de veículos ou perda de documentos; e a Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA), que recebe denunciais e os encaminha para o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), que está sob a estrutura da secretaria mas é outro setor.

O CICC é composto pelos equipamentos que foram herdados da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos do governo federal, que fez a aquisição para a Copa e as Olimpíadas. Lá é onde há tanto a parte do Disque Denúncia, web denúncia e proteção animal, além da área de inteligência que a policia civil mantêm também, que antigamente ficava na secretaria.

Por fim, também temos outros sistemas próprios aqui da Secretaria, como sistema de protocolo e de recursos humanos, por exemplo, que foram desenvolvidas no passado e mantemos dentro do portal Intranet, voltados para publico interno. Para o publico externo, o principal é o portal, para notícias e estatísticas; o InfoCrim para prefeituras e órgãos policiais; a delegacia eletrônica e a de proteção animal; e o disque denuncia. Também temos o web denuncia, mas é mantido pelo Instituto Souza Paz. Neste caso, tenho o contrato com a Prodesp justamente para a parte de hospedagem e correio eletrônico.

A Prodesp, em relação ao Detecta, é tanto a provedora quanto a desenvolvedora. Eu não desenvolvo nada do Detecta: é tudo por conta da Prodesp, orientados pelo Grupo Técnico Operacional, composto por integrantes da Secretaria, equipe de gestão de contratos, o chefe do centro de processamento de dados da PM, Policiais Civis e a Prodesp como a gestora do contrato. Esse é um grupo que trabalha harmoniosamente para desenvolver a ferramenta para poder atender a todas as necessidades das polícias e efetivamente trazer um sistema adequado para todos.

Digital Security: Você tem um histórico profissional extenso atuando com tecnologia, especialmente voltado para comunicação crítica e infraestrutura. Na sua visão, quais países, estados ou municípios são bons exemplos a serem seguidos em termos de tecnologia aplicada à segurança pública e por quê?

Ronaldo: Com certeza não posso deixar de citar os Estados Unidos e Israel, que são fornecedores de tecnologia muito grandes, além de alguns países da Europa, até por razões óbvias dos ataques terroristas que vem sofrendo, eles acabam tendo a necessidade e desenvolvimento de aplicações.

Os Estados Unidos é o que mais conheço efetivamente. Já fiz várias visitas ao país: conheci todo o local onde se faz o atendimento e despacho do 911 da polícia de Las Vegas, o Real Time Crime Center em Nova York, na época quando eles não tinham ainda o DAS. Posso até dizer que fui um “mentor” da necessidade de ter uma ferramenta como essa.

Na época nós fomos visitar o laboratório da Cisco em San Jose, por ela ser fornecedora para a Polícia Militar, e fizemos também uma visita depois na Polícia de Nova York. A Cisco tinha desenvolvido um equipamento para colocar nas viaturas que fornecia acesso à internet, através de comunicação satelital, 3G e até rede 2G que estava desativada em Nova York. Em nossa visita ao RTCC, percebemos que eles não tinham uma integração sistêmica, ou seja, se uma informação do FBI era necessária, era preciso entrar em um sistema do FBI, se queriam uma informação do 911, era outro sistema. Cada um com uma senha e um usuário.

Assim, me ofereci para mostrar um sistema que a PM tinha desenvolvido à época, que é o chamado COPOM Online, uma ferramenta de geoprocessamento que mostra todo o posicionamento das viaturas e das ocorrências do 190. Fiz uma VPN de lá e demonstrei o funcionamento em tempo-real. Na época, eles não tinham mapeamento de GPS das viaturas por um motivo que desconheço. Por fim, a visita que estava agendada para durar 40 minutos, durou 4 horas e até começamos a conversar de estabelecer um procedimento de cooperação tecnológica, mas as pessoas mudaram e o projeto acabou não indo para frente.  Eu acho que essa demonstração foi um grãozinho que fez com que eles buscassem a Microsoft para desenvolver um sistema que tivesse a integração.

Outro motivo é que a forma com que a polícia trabalha nos Estados Unidos é muito diferente da nossa. Eles fazem o ciclo completo de polícia: um policial fardado atende ao primeiro chamado, vai ao local, faz a proteção e aciona a polícia investigativa. Os investigadores, então, consultam informações no RTCC, como os crimes semelhantes na região, pessoas que moram perto, entre outros, e já chegam no local do crime com todas as informações possíveis sobre aquele local. Com isso, a investigação é muito mais ágil, porque o crime havia acabado de acontecer, então é possível colher impressões digitais, por exemplo, e outras séries de investigações que em nosso modelo de polícia no Brasil, não é possível hoje. São realidades diferentes, é lógico, mas eu tenho uma opinião pessoal de que o modelo dos EUA é mais eficiente na solução de crimes.

Os EUA estão realmente na vanguarda tecnológica hoje.  Lá, há muitos fornecedores e empresas que desenvolvem sistemas de comunicação ou de informação crítica. A própria Motorola Solutions, na época em que trabalhei lá, acabou comprando vários players que desenvolviam ferramentas que agregaram ao portfólio de sistema de radiocomunicação de missão crítica, com a integração desses sistemas aos de atendimento e despacho.  Com certeza, eles estão um passinho na nossa frente, embora tenhamos aqui em São Paulo uma tecnologia bem interessante também na parte de rádio comunicação, com o mesmo sistema americano, APCO.

Israel também é um fornecedor de tecnologia principalmente na área de escuta e de investigação. Eles são especialistas nisso até pela sua condição de estar em constantes guerras.

Digital Security: Quais são os principais desafios no desenvolvimento de soluções para segurança pública?

Ronaldo: Acho que, como em todo lugar, é ter recurso financeiro. Eu tenho uma equipe hoje razoavelmente grande e boa, então consigo fazer bastante coisa. Só que tenho que me preocupar com tudo, tanto na parte de infraestrutura quanto na parte de desenvolvimento.

O que queremos é fazer com que o Detecta abranja o máximo de prefeituras possíveis. Quanto mais prefeituras estiverem integrados no sistema, melhor, porque a polícia local vai ter maiores informações e a própria Prefeitura também, sendo uma ajuda muito grande para o sistema.

Além disso, nós temos hoje duas versões do InfoCrim: uma mais antiga que é muito acessado pelas prefeituras e uma versão nova com novas funcionalidades. No entanto, a versão mais nova ainda não está com todas as funcionalidades para a integração, então estamos trabalhando para migrar esse sistema e ter uma versão única. Isso irá melhorar bastante o uso do sistema para quem necessita efetivamente.

Por outro lado, a parte de infraestrutura que eu tenho que manter custa bastante dinheiro. Se eu compro ou invisto em algum equipamento eu sou obrigado a depois ter um custeio em cima dele para poder mantê-lo. Então, realmente, os recursos financeiros são muito necessários e é o maior desafio hoje pela condição do país em si como está. Embora o governo do estado esteja investindo nessa área, os recursos reduziram, mas não tem faltado para manter o que é necessário, pelo menos

Digital Security: Você está há mais de 30 anos atuando com tecnologia para segurança. Quais dicas você pode dar para os profissionais que querem atuar nesse setor?

Ronaldo: Para o profissional da área de TI é primordial que saiba sobre gestão de projetos. Isso é básico porque se você não fizer uma boa gestão você acaba caindo em um Tribunal de Contas, ou na fazenda, que pegam justamente as falhas de gestão e pode colocar a vida das pessoas gestoras de contrato em risco.

Para o profissional na área de segurança pública, o importante é conhecer o que tem por aí. É preciso viajar, ir à outros países, e conhecer o que eles estão fazendo, para absorver o que tem de melhor e trazer para cá. Foi algo que fiz e que me ajudou bastante à trazer conhecimento sobre o que há de melhor no mercado.

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