Com o crescente surgimento de soluções que empregam Inteligência Artificial, o quão de fato precisamos destas ferramentas e o quanto é marketing?
Até há pouco tempo, era comum ouvirmos a máxima “qualquer sistema de monitoramento é tão bom quanto a pessoa atrás dos monitores”. Apesar de repetida ao ponto de tornar-se um clichê do mercado, poucas frases de efeito são tão verdadeiras como esta tornou-se conforme foram surgindo experiências e estudos sobre o impacto do elemento humano em um sistema de vídeo-monitoramento.
Nos anos da era analógica, ou mesmo no começo dos sistemas digitais, grande parte da utilidade de um sistema de vídeo-monitoramento estava em fornecer informações para investigação após alguma ocorrência. As raras vezes em que era possível atuar preventivamente dependiam exclusivamente das habilidades de atenção, percepção e leitura de contexto do profissional por trás das telas. Claro que como qualquer sistema onde o elemento humano é crucial, a incidência de erros e stress aplicado sobre o operador formaram o grande gargalo da segurança.
Segundo uma pesquisa realizada em 2018 pela Universidade Católica de Pelotas, onde foram entrevistados mais de 223 vigilantes de 13 empresas prestadoras diferentes, mais de 19% possuem algum problema de saúde relacionado ao stress, 30% costumam se auto-medicar para combater sintomas como ansiedade e fatiga e mais de 63% se dizem estressados.
Outra pesquisa do mesmo ano, desta vez feita pelo pelo Centro de Proteção da Infraestrutura Nacional do Reino Unido, apontam outros problemas relativos à mão de obra exclusivamente humana. De acordo com o estudo, cerca de 80% de todos os julgamentos realizados por profissionais atuando em monitoração são feitos baseados em estereótipos ou crenças pré-existentes, onde se enquadrariam preconceitos raciais, religiosos, étinicos ou mesmo relativo à vestimenta e status social.
Diante deste desafio, era bastante óbvio que a indústria buscaria desenvolver ferramentas que minimizassem o impacto humano na predição de ocorrências. Os próprios analíticos embarcados em câmeras ou fornecidos por softwares VMS permitiram criar relatórios estatísticos bastante úteis para entender vulnerabilidades e modus operandi de incidentes mais comuns.
Claro que este tipo de inteligência é bastante útil quando se trata de um sistema muito grande, quando por exemplo o CCTV unificado de uma grande rede varejista com dezenas de lojas. A quantidade de informação estatística que um sistema desse é capaz de compilar traz informações muito mais ricas do que a que um pequeno lojista ou condomínio consegue recolher ao longo de seu uso. Seria necessário que as informações acumuladas ao longo do uso geral destes equipamentos pudesse ensinar para outros iguais as informações que estavam sendo agregadas.
É neste ponto que entram algumas das principais BuzzWords dos últimos anos no mercado da segurança eletrônica. Se você nunca ouviu esta expressão, BuzzWords são espécies de chavões que pairam sobre um segmento da indústria de tecnologia durante algum tempo, uma mistura de tendência e moda, quase como se todo novo desenvolvimento deste mercado obrigatoriamente precisasse estar ligado à algumas destas palavras. E aqui estamos falando de AI (Inteligência Artificial), Big Data e Deep Learning.
Agora que você já leu as três expressões, com certeza já sabe do que se trata uma BuzzWord. Aliás, se você está de alguma forma ligado à indústria da segurança eletrônica, tenho certeza de que não conseguiu passar os últimos 12 meses sem ler ou ouvir essas palavras. Só aqui na Digital Security, publicamos nos últimos 12 meses 110 matérias (de um total de 451) que continham algumas destas palavras, sendo “Inteligência Artificial” a grande campeã com 73 materiais
Mas então, seria o uso de IA o grande avanço tecnológico capaz de reduzir o impacto negativo do elemento humano nos sistemas de segurança? Além disso, o que mais esta tecnologia tem à oferecer para a atividade de monitoramento? E mais importante, seria ela algo que de fato está sendo implementado para além do efeito marketeiro da BuzzWord?
Aprendendo a aprender
Para responder aos questionamentos anteriores, primeiro precisamos definir com cautela como se define o que é Inteligência Artificial. O termo surgiu pela primeira vez em 1956 quando um dos maiores nomes das Ciências da Computação de todos os tempos, o professor emérito da Universidade de Stanford Jonh McCarthy organizou uma conferência sobre o tema em Darthmouth, nos Estados Unidos.
O objetivo do professor era reunir as principais vanguardas do estudo de “máquinas pensantes” para debater e comparar os diferentes esforços de pesquisa neste campo. Segundo McCarthy, o termo representava certa neutralidade de forma a não parecer que o evento estava endossando especificamente alguma das áreas de pesquisa a ser apresentadas. Esta conferência é considerada o marco do surgimento do campo do conhecimento de Inteligência Artificial.
De lá para cá muitos avanços aconteceram, e com eles diversas atualizações na definição se um sistema possui ou não inteligência artificial. Desde o mais simples “máquinas que automatizam tarefas complexas”, até “Sistemas capazes de coletar informações do ambiente, analisar e decidir a melhor forma de atingir um objetivo específico”, passando por “máquinas capazes de imitar o comportamento humano”.
Hoje, porém, é mais comum pensarmos que sistemas de Inteligência Artificial são aqueles que, além de misturar todas as definições acima, são capazes de aprender. A grande revolução da IA que colocou ela como BuzzWord 60 anos depois de seu primeiro uso é a aliança com outro conceito, o do DeepLearning, o que significa que cada vez que um sistema realiza a tarefa para o qual foi feito, ele aprende algo com aquilo e fará melhor da próxima vez.
Essa tecnologia permite que, ao invés de criar algorítimos específicos e complexos para realizar tarefas como reconhecimento de texto em imagem, por exemplo, o programador possa ensinar a máquina a aprender como fazê-lo. Com isso feito, basta expo-la a um número de situações o bastante para que ela seja capaz de reconhecer os padrões e conseguir realizar sua tarefa, sempre aprimorando-se.
É através deste aprendizado de padrões que câmeras inteligentes e softwares VMS são capazes de reconhecer comportamentos de risco ou realizar leituras de placas de carro, por exemplo. Ao comparar com o banco de dado de todos os padrões aprendidos pela máquina, o sistema é capaz de realizar um reconhecimento de forma muito mais precisa e complexa do que uma máquina unicamente programada para atividade. “Um ótimo exemplo disso é nosso LPR (Leitura de Placa), que hoje traz índices de assertividade de 95% mesmo com veículos em velocidades de até 210 km/h”, afirma Daniel Feitosa, Diretor Regional da ISS no Brasil.
Sigla para Inteligent Security Systems, a ISS é uma das principais desenvolvedoras globais de software para vídeo-vigilância e que atualmente está na crista da onda quando o assunto é uso de inteligência artificial. “Todos os analíticos de vídeo de nosso software SecurOS utilizam a Inteligência Artificial atualmente. Utilizamos para o aprendizado dos algoritmos na leitura de placas, na classificação entre pessoas, veículos, animais e objetos, no reconhecimento de caracteres dos contêineres, no reconhecimento de caracteres para leitura de vagões de trem e no reconhecimento facial”, explica Feitosa.
Um mercado em expansão frenética
Parte do que torna o desenvolvimento de soluções de Inteligência Artificial tão atrativo é que vai de encontro com o que as gigantes da tecnologia estão desenvolvendo neste exato momento. A própria ISS integra, além de seu desenvolvimento interno, ferramentas e soluções da Intel e um algoritmo de código aberto chamado “Caffe”, um dos mais populares para o reconhecimento de padrões em imagem.
Como esta facilidade, os produtos deixam de ser desenvolvidos unicamente por grandes empresas prioritariamente para aplicações de alto-nível. O ecossistema de Inteligência Artificial é bastante rico no mundo das start-ups e de aplicações de nível mais acessível. É o caso da empresa japonesa Earth Eyes Corp que fez grande alarde em 2018 com um projeto chamado “AI Guardman”.
A ideia é que pequenos comerciantes instalem uma câmera única de ângulo aberto em seus estabelecimentos. Usando um algorítmo de código aberto desenvolvido pela universidade de Carnegie Mellon (EUA), a câmeras e comunica com um software rodando em nuvem que compara as imagens do feed de vídeo com um banco de dados de poses e comportamentos das pessoas para levantar comportamento suspeito e alertar o proprietário da loja ou vigilante responsável.
Tendo funcionado em uma espécie de Trial no Japão por 6 meses, a Earth Eyes Corp anunciou uma redução de 40% na taxa de furtos e outras ocorrências nos estabelecimentos que participaram dos testes. Claro que os números não são exatamente auditados de forma independente e vieram junto com o lançamento comercial do produto, então já fica o alerta. O destaque, porém, é a própria chegada do sistema ao mercado, que sairá pelo equivalente a US$ 2.150 mais uma assinatura mensal de US$ 40.
Essa popularidade também ajuda as grandes marcas a explorarem este tipo de solução em países como o Brasil. De acordo com Daniel Feitosa, da ISS, todos os clientes que usam as soluções da marca no país contam com suporte em inteligência artificial. Só para exemplificar, no que diz respeito à captura de placas são mais de 3 mil câmeras integradas ao SecurOS fazendo este trabalho em território nacional.
É claro que, mesmo com a popularidade da tecnologia, ainda há algumas barreiras para o mercado nacional. “A utilização de IA pela ISS nos outros países está bem mais avançada do que no Brasil, pois possuímos algumas soluções que utilizam hardwares desenvolvido por nós em conjunto com algumas de nossas soluções de IA. Contudo, questões fiscais e de homologação nos órgãos legais do Brasil fazem com que essas soluções ainda não estejam disponíveis para o mercado nacional”, conta Feitosa.
Não é só marketing
Voltando à nosso questionamento inicial. A inteligência artificial chegou para ficar ou é mais uma BuzzWord focada em convencer compradores a fechar negócios? Um pouco dos dois. Da mesma forma que as vantagens da tecnologia são claras e as aplicações favorecem inúmeras vertentes do mercado de vigilância, a prevalência do termo em tudo que é novo acaba ganhando uma conotação negativa.
Não há discussão na utilidade da tecnologia e como ela vai cada vez mais revolucionar a forma como planejamos e dimensionamos os sistemas de segurança. A dúvida é se todas as aplicações realmente carecem dela. É como se questionar se você realmente via precisar que seu fogão esteja conectado à internet ou se você precisa de um carro que chega a 240 km/h para andar em uma cidade como São Paulo onde a velocidade média raramente passa dos 30 km/h.
Ao mesmo tempo, os resultados que vêm sendo apresentados por aplicações inteligentes, empolga e nos deixa ansiosos pelo que ainda está por vir neste segmento. Até onde poderemos contar com máquinas capazes de aprender e executar de forma inteligente onde nós cometemos falhas e qual será o impacto em questões como aprendizado, profissionalização e mão-de-obra. Mas isso é assunto para outra reportagem.