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Arena da Baixada: garantia de identificação

Por Gustavo Zuccherato

Primeiro clube brasileiro a implementar biometria para 100% dos acessos, o Atlético Paranaense trouxe agilidade para as operações de segurança e a tranquilidade para os torcedores que visitam a Arena da Baixada

“Os níveis de incidência e violência são desprezíveis aqui”. Dita em uma entrevista para o Jornal O Povo em março deste ano, a frase de Fernando Volpato, diretor de operações da Arena da Baixada, pode parecer exagerada em um país onde o nível de violência nos estádios e entre torcidas é preocupante mas tem sua razão de existir. Casa do Clube Atlético Paranaense (CAP), o Estádio Joaquim Américo Guimarães na capital Curitiba é referência nacional quando se fala em segurança – e a tecnologia tem um papel essencial nesse cenário.

Espaço conta com 133 câmeras de alta resolução da Bosch e mais de 90 catracas para acesso com biometria

Fundado em 1914, o espaço foi reformado em 1999, onde passou a ser conhecido como Arena da Baixada, e ampliado e modernizado entre os anos de 2012 e 2014 para se tornar uma das sedes da Copa do Mundo no Brasil. Com a autogestão do CAP, o empreendimento virou um espaço multiuso de 43 mil lugares que recebe jogos de futebol e outros eventos diversos, sejam esportivos como o UFC ou grandes shows de música e até encontros empresariais.

Na época da Copa, a integradora NEC foi a escolhida para implementar toda a eletrônica do estádio, incluindo a infraestrutura de rede IP e sem fio para telefonia, sistemas de sonorização, telões, iluminação, ar condicionado e segurança.

Em parceria com a AEG Facilities, a NEC implementou 133 câmeras de alta resolução da Bosch espalhados pelos 8 andares do empreendimento, nas entradas, arredores e também na arquibancada. Destas, 11 são do modelo speed dome, com alcance para enxergar qualquer ponto da arquibancada e até quatro quarteirões de distância no perímetro.

Um centro de controle operacional também foi estabelecido. Com uma parede de vidro e localizado no andar mais alto do estádio, o espaço oferece visão completa das arquibancadas, além de oito telas para visualização de todas as câmeras, 24 horas por dia, 7 dias por semana, com o software proprietário da Bosch.

Localizado em uma região central de Curitiba, a Arena da Baixada se tornou um espaço multiuso que recebe eventos esportivos, grandes shows e até encontros empresariais (Foto: Divulgação/Atlético Paranaense)

Para a implantação de controle de acesso, por sua vez, a NEC contou com a parceria da empresa Imply, especializada no desenvolvimento de sistemas de controle de acesso para estádios e arenas. “Neste projeto, fomos contratados inicialmente para o fornecimento de catracas, implementar as tecnologias de controle predial em alguns pontos de acesso restrito, o sistema de estacionamento e o software para essa integração”, explica Fabiano Horn, diretor de tecnologia da Imply. “Foi um trabalho em conjunto em que a Imply e a NEC trabalharam para fornecer as melhores tecnologias com o menor custo para o cliente-final. Um exemplo foi o fornecimento das catracas. A NEC já possuía um bom relacionamento com a Wolpac e as comprou diretamente da fábrica para vendê-los ao clube, evitando a bitributação”.

Ao todo, foram mais de 90 catracas fixas em todas as entradas, com leitores de código de barras e códigos 2-D para liberação de acesso com ingressos vendidos on-line ou presencialmente. “Fizemos uma integração via Web Service com o serviço de venda de ingressos na época, onde recebíamos as informações de ingressos no dia do evento e fazíamos o controle de acesso baseado nestes códigos”.

Além da atualização tecnológica que o estádio passou em 2014 para atender aos alto padrões exigidos pela FIFA, nestes quatro anos desde a reinauguração, o clube não deixou de investir e buscar a melhoria em seus processos e procedimentos visando mitigar ao máximo os incidentes e a violência no estádio. Assim, logo no primeiro ano após a Copa, o CAP se tornou pioneiro ao optar por complementar o controle de acesso com a utilização de biometria de impressões digitais para os setores dedicados à torcidas organizadas.

Foto: Divulgação/Atlético Paranaense

Desta forma, com o auxílio das câmeras e do sistema de biometria, a equipe de segurança consegue identificar rapidamente o responsável por qualquer delito ou mau comportamento e, então, tomar as medidas cíveis, penais e desportivas cabíveis para responsabilizar o infrator. “Em 2017, era rotina da torcida organizada do Corinthians levar sinalizadores para acender durante os jogos, uma prática ilegal e que gera penalizações para o clube. A Arena da Baixada foi um dos únicos estádios onde eles não acenderam sinalizadores por receio da identificação”, exemplifica Ronildo Finger Barbosa, coordenador de segurança do CAP.

Os resultados positivos fizeram com que o CAP expandisse o projeto para 100% dos acessos na arena em 2017 e, com o apoio do setor público, provaram que é possível transformar os estádios e arenas em um espaço de convivência e celebração esportiva amigável a qualquer cidadão e família.

Funcionamento

O clube firmou um convênio com o governo do Estado e a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) para a integração dos bancos de dados do Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) e do Instituto de Identificação ao sistema de biometria da arena, facilitando processos de identificação para torcedores paranaenses que ainda não foram ao estádio após a implantação da biometria e permitindo a identificação de infratores com mandado de prisão em aberto.

O Centro de Controle Operacional acompanha as imagens das 133 câmeras espalhadas pela Arena, 24 horas por dia (Foto: Divulgação/Atlético Paranaense)

“Hoje, o clube conta com uma plataforma unificada de venda de ingressos e controle de acesso desenvolvida e fornecida pela Imply”, destaca Horn. “Anteriormente, precisávamos fazer todos os cadastros de informações tanto no nosso sistema de acesso, quanto no outro sistema de bilhetagem. Hoje, precisamos fazer os cadastros e a parametrização dos eventos de um lado só e apenas alguns apontamentos no controle de acesso. Um exemplo é a definição de tipos de ingressos que serão vendidos: no momento que você decide o tipo de ingresso, você não diz se o usuário vai entrar pelo portão A, B ou C. Isso é uma ação mais de controle de acesso. São habilidades distintas de quem faz essas parametrizações e nós facilitamos o processo”.

A compra dos ingressos pode ser feita on-line ou em pontos de venda do estádio no dia do jogo. O procedimento é simplificado: o interessado faz um cadastro com informações pessoais, de contato e um documento de identificação, escolhe o tipo de ingresso, setor, assento e a forma de pagamento diretamente na plataforma. “Uma vez aprovada a compra, o sistema automaticamente irá fazer uma busca com o número de CPF da pessoa nos bancos de dados da Celepar e, caso a biometria já esteja cadastrada no sistema deles, o torcedor poderá imprimir o ingresso em casa ou armazenar um QR Code em uma carteira virtual no celular para acessar o estádio diretamente. Caso contrário, um voucher será gerado com a orientação que o torcedor compareça no estádio antes do jogo com sua documentação para fazer o cadastro biométrico”, explica o diretor de tecnologia da Imply.

O controle de acesso possui uma infraestrutura híbrida, combinando processamento local com comunicação em nuvem. “A custódia das impressões digitais é competência da Celepar, por se tratar de uma base de dados com informações sensíveis das pessoas. Nós continuamos fazendo essa integração via Web Service onde, no momento que o torcedor coloca o dedo no leitor, o sistema automaticamente irá enviar à Celepar, que confirma a identidade, retorna a informação e o software libera o acesso”.

Esse tipo de comunicação rápida e eficiente só é possível graças ao uso do padrão interoperável de templates de digitais ANSI 378, desenvolvido pelo American National Standards Institute, o instituto de padronização nacional dos Estados Unidos. “Esse padrão permite extrair o template, traduzir aquela foto em uma informação biométrica e enviar apenas essa informação de 300 a 400 bytes para a nuvem. O tráfego de dados é muito pequeno. Ainda assim, o clube fornece uma conexão redundante com a internet para os nossos sistemas para garantir que não haja falhas na comunicação”.

Módulo da Imply permite integrar leitores de impressão digital, RFID, códigos de barra e de QR Code (Foto: Divulgação/Atlético Paranaense)

Os leitores de digitais implementados no módulo da catraca são da marca japonesa Nitgen, fornecidos pela distribuidora FingerTech. “A Nitgen foi uma das primeiras empresas que compreendeu essa necessidade de mercado em trabalhar com padrões interoperáveis. Nós entendemos que não poderíamos ficar a mercê de uma fabricante que trabalhasse com um template proprietário porque, no dia em que tivesse algum problema, você estaria amarrado à marca, sem poder mudar. Conhecemos casos de clientes que tinham 40 mil pessoas cadastradas em um sistema proprietário e, anos depois, a fabricante deixou de dar suporte àquele módulo de leitor, obrigando o cliente a trocar todos os 100 equipamentos e recadastrar todas as digitais”, relata Horn. “Trabalhar em padrões interoperáveis permite que hoje eu opere com um validador da Nitgen, amanhã com o da Suprema, outro dia com o da Fulltronic, ou operar com todos esses validadores simultaneamente”.

Para alcançar a alta performance, tempo de resposta e confiabilidade necessária para uma operação de eventos de grande porte que são realizados na Arena – chegando a receber um público recorde de 45.201 pessoas durante a realização do UFC 198, em maio de 2016 -, a Imply decidiu investir em uma equipe própria de pesquisa e desenvolvimento.

“Quando você tem mil pessoas querendo fazer o acesso ao estádio em um período de um minuto, qualquer meio segundo a mais que o hardware demore para responder pode causar um efeito cascata e ser catastrófico para o sistema. Para conseguir mitigar esse ponto, nós mesmos fabricamos e desenvolvemos uma placa controladora, além do firmware, do software de controle de acesso e do mecanismo de validação biométrica, que permitem disparar processamento em paralelo nos threads do CPU de forma automática”, pontua o diretor de tecnologia. “Com essa abordagem, conseguimos identificar qualquer problema ou bug que está causando lentidão no sistema e rapidamente realizar melhorias, sem depender de uma outra fabricante”.

O executivo também defende que “se usamos uma placa controladora de um terceiro, nós acabamos nos tornando apenas mais um fornecedor que é facilmente substituível, perdendo a garantia de receita recorrente de suporte e manutenção do sistema. É uma forma de você ter um pouco mais de controle sobre o que está oferecendo ao seu cliente”.

O coordenador de segurança da CAP, Ronildo Barbosa, também destaca o auxílio da Imply na atualização do sistema de controle de acesso para atender necessidades específicas. “No início, tínhamos apenas o campo de CPF com padrão para busca de informação. Atualmente, já há espaço para RG e até passaporte, para que possamos cadastrar visitantes de outros países”.

Na prática

Um exemplo real recente dos resultados do uso da biometria que foram noticiados pela imprensa local em Curitiba foi a partida entre o Atlético Paranaense e o Atlético Mineiro, realizada no dia 13 de maio de 2018. Na ocasião foram identificados e cumpridos 4 mandados de prisões. Os acessos foram identificados logo no bloqueio do estádio pelas Polícias Civil e Militar. “Quando há a identificação de algum caso de torcedor com mandado de prisão em aberto, a catraca automaticamente emite um código específico conhecido pelo supervisor local que rapidamente aciona o Policial Militar mais próximo. De forma discreta e rápida, os infratores são conduzidos à delegacia e presos. Os demais torcedores nem chegam a perceber que isso ocorre”, destaca o coordenador de segurança.

Além disso, o sistema gera logs de acesso que ficam armazenados localmente e podem servir para rastrear os infratores. “Como o estádio é setorizado, nós conseguimos identificar por qual portão, catraca e o momento exato em que aquela pessoa entrou no estádio, permitindo que a equipe de segurança faça a busca com o auxílio das câmeras”, ressalta Horn.

Barbosa explica que “em sua maioria, os mandados são relacionados ao não pagamento de pensão alimentícia, mas houveram outros casos recentes da prisão de um procurado por tráfico, outro por roubo e outro por furto. Desta forma, conseguimos realmente inibir a vinda do bandido ao estádio”.

Para Ricardo Henrique Ferreira Jentzsch, Juiz Auxiliar da 2ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o projeto de colaboração é um exemplo de sucesso. “A ideia inicial do convênio sempre foi contribuir com a Segurança Pública no ambiente do futebol e dos eventos de grande porte. Com essa funcionalidade permitindo identificar-se na entrada do Estádio o indivíduo que tenha contra si alguma pendência com a justiça, como mandados em aberto, a sociedade tem a confiança de que o Estado cumpre o dever estabelecido pela Constituição Federal e pelo Estatuto do Torcedor e o criminoso passa a perder a famigerada sensação de impunidade”.

A Desembargadora Lidia Maejima, 2ª Vice-Presidente do TJPR, também lembra a importância de incentivar e aperfeiçoar o uso da tecnologia em favor da Segurança Pública. “O Estado do Paraná tem sido pioneiro em soluções tecnológicas de aprimoramento da Segurança Pública. A identificação biométrica dos cidadãos na entrada do estádio, com a identificação de eventuais mandados de prisão e ordens de restrição é algo inédito no Brasil, que merece ser difundido. Os resultados já começam a aparecer e é cada vez mais sensível o baixo número de ocorrências no estádio e em seu entorno. Isso é um inequívoco sinal de que o Paraná conta com mecanismos efetivos de controle da violência”.

“A biometria traz a vantagem de permitir a identificação direta dos indivíduos que estão no estádio, auxiliando o clube a prestar serviços que vão além da segurança, como a devolução de documentos perdidos no estádio, por exemplo”, pontua o coordenador de segurança da CAP. “Recentemente, tivemos um caso de um torcedor que veio ao estádio apenas com o ingresso e teve um mal súbito a ponto de não conseguir nem comunicar qual era o seu nome. Puxamos o CPF na base de dados, identificamos a família e conseguimos informá-los para qual hospital o torcedor estava sendo encaminhado. É um contexto em prol da saúde dos torcedores”, finaliza.

Gestão em casa

A tecnologia, por si só, jamais garantirá a segurança dos eventos sozinha. O planejamento da operação aliada a uma equipe bem treinada para operar os sistemas, prestar atendimentos aos torcedores locais e visitantes e lidar com as possíveis adversidades é tão essencial quanto um sistema de vigilância de alta resolução ou um controle de acesso a prova de falhas. Por isso, o CAP estabeleceu um departamento próprio dedicado à tratar dos assuntos de segurança da Arena, além de contar com o apoio das forças policiais.

“O Atlético Paranaense possui autorização junto a Polícia Federal para trabalhar com segurança orgânica. Temos uma equipe de 24 pessoas trabalhando na vigilância patrimonial 24 horas por dia e, em dias de jogos, contratamos profissionais autônomos devidamente legalizados para prestar os serviços necessários”, relata Barbosa. “Nossa média de público é de 10 a 15 mil torcedores por jogo e calculamos a quantidade de seguranças entre 2 e 2,5% do público previsto”.

O Clube Atlético Paranaense optou por trabalhar com staff próprio em suas operações, como forma de economia e garantia de qualidade (Foto: Divulgação/Atlético Paranaense)

De acordo com Barbosa, a decisão de trabalhar com uma equipe própria traz dois principais benefícios. “Por uma empresa terceirizada ter que arcar com todas as despesas de uniformes, deslocamento, pagamento de pessoal e ainda ter seu lucro, o custo seria, no mínimo, três vezes maior do que o que gastamos hoje com uma equipe orgânica. Além disso, nós conseguimos alcançar um padrão de excelência que só é possível com uma equipe orgânica. Ao final de cada evento os supervisores avaliam a equipe e nós construímos essa base de dados para sempre chamarmos os profissionais mais bem avaliados para os próximos eventos. Todo esse planejamento começa com, no mínimo, uma semana de antecedência para que possamos atender aos prazos exigidos pela Polícia Federal”.

A iniciativa do Clube Atlético Paranaense é uma prova de que tecnologia, preparo e trabalho em conjunto são o caminho para trazer mais segurança até mesmo nos ambientes mais desafiadores. Um caminho possível para que a violência nunca mais atrapalhe a festa do futebol brasileiro.

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